Serial Frila: Smallville, o mundo de Bizarro

03 janeiro 2006

Smallville, o mundo de Bizarro

(publicado originalmente em 3 de janeiro de 2006)
(revisado e republicado aqui em 26 de setembro de 2006)


This picture is hosted by ImageShackGosto de quadrinhos de heróis desde 1984, por aí. Vejo séries de TV desde pirralho. Trabalho com assuntos relacionados também já há um bom tempo. Como é possível, então, que alguém assim não seja um fã da telessérie Smallville? Sendo o menos parcial possível, vou tentar explicar por que não apenas não sou um fã, mas votaria inclusive pelo fim imediato da série.

É bom começar pelo mais aparente: a série é sucesso e tem um monte de gente que adora, ninguém discute isso. Espero que fique claro que isso não é um argumento, certo? Afinal, e daí que a audiência é altíssima? Índices de audiência são como o Oscar e o vestibular, não provam verdadeira qualidade de nada. Muita gente boa tem audiência (adult swim, Oprah Winfrey, Lost), ganha Oscar (Peter Jackson, Jamie Foxx) e passa no vestibular (insira aqui o nome do seu amigo bom de serviço). Muita gente péssima também: América, João Kléber em Portugal, American Idol, Akiva Goldsman, Cuba Gooding Jr., Menina de Ouro, Titanic, Paciente Inglês, o sociólogo FHC, o engenheiro Sérgio Naya, esses médicos que se aproveitam de pacientes desacordadas... Todos sabemos que exemplos de ruindade condecorada não faltam neste mundo. Ou seja, trouxa de quem pensa que os "premiados" ganham atestados de qualidade automáticos com essas conquistas.

Agora, vamos falar de conteúdo, que é o que interessa - e anda muito em falta.

This picture is hosted by ImageShackDepois de Crise nas Infinitas Terras, o mundo se dividiu entre apoiadores do "novo Super-Homem" de John Byrne e gente que queria as histórias antigas de volta, estrelando o semi-deus a go-go com um S no peito. Fui simpático à mudança, pois ela trazia ordem à bagunça que era a DC. Byrne propunha um personagem mais lógico, mais pé-no-chão, longe daquele balaio de gatos que era comum nas histórias da Era de Prata que se arrastava até ali. Muita gente não viu isso na época (nem eu), mas o roteirista e desenhista buscava aproximar o herói de seus conceitos originais, trazê-lo ao "mundo comum" da DC (que então se reformava) e afastá-lo das sandices que foram criadas por roteiristas fumados durante a década de 70. O autor queria preservar a origem e perpetuar o que existia de confiável e razoável nas bases, enxugando a esquisitice e conferindo longevidade a um ícone da cultura pop e um dos símbolos do século XX.

Então, Smallville apareceu em 2001 pra fazer dinheiro em cima de algo sólido. Infelizmente, aos produtores parece que não importava tirar justamente a solidez, deixando pra trás um super-herói frouxo que deveria ter sido o primeiro dos grandes, mas, naquele contexto, jamais será.

A grande maioria das histórias em Smallville é absurda demais, e isso nem é intencional - se fosse, seria mais legal, como no velho seriado do Batman, nos filmes do Monty Python ou mesmo em bons momentos lisérgicos das HQ da Era de Prata. Cara, nós estamos falando de uma cidadezinha no meio do Kansas, onde não deveria acontecer nada. A pasmaceira do lugar faz parte da própria essência do Super-Homem ("Superman"?? Depois de tantos anos? Me ajuda aí...). This picture is hosted by ImageShackDe que personagem estamos falando, então? Como o Super-Homem vai ser o velho escoteiro azul, símbolo do quadradismo americano, do bom-mocismo que o Batman acha insuportável (e muitos leitores também), se a vida é tão dinâmica quanto se Clark Kent vivesse em plena Nova Iorque e se é criado como todo e qualquer adolescente americano? Não, ele não vai se tornar a honrosa exceção que virá para "corrigir o mundo", "ser o exemplo" ou "devolver a esperança", isso com toda certeza.

Tudo bem, apesar desse desvirtuamento, o texto poderia ser legal. Mas não é. É mal formulado, muitas vezes truncado para caber no formato de 45 minutos, as soluções seguem fórmulas prontas, quase tudo é muito previsível. Daí a qualificá-la como mais uma mera série estúpida seria um pulo. Percebe-se, que, na verdade, a função primordial da série era mesmo ganhar grana, e não "construir e reafirmar as fundações daquela mitologia para as novas gerações", como os criadores diziam ser a intenção original.

Pois o grande mal da série é justamente destruir as fundações do Super-Homem ao invés de dar a elas mais sustentação!

Tem coisa errada demais naquela pseudo-trama, existem "liberdades criativas" demais, a ponto de desvirtuar todas as motivações, de criar situações impossíveis para o futuro super-herói de Metrópolis que já conhecemos há anos. Como Lex Luthor não vai saber a identidade secreta do cara que chega à cidade grande para alterar o equilíbrio de poder? Se toda a palhaçada que acontece em Smallville puder ser levada em conta como "oficial" pela DC, então esqueça todas as revistas em quadrinhos do Super-Homem que você leu até hoje. Se estivéssemos no campo das HQ, só para fazer um paralelo, estaríamos bem próximos da famigerada Saga do Clone, de que os leitores do Homem-Aranha (já virou "Spider-Man"?) foram vítimas há poucos anos. É simples assim, virou uma questão de escolha: ou você acredita no herói dos quadrinhos ou engole aquela besteira sem sentido que produziram na série, porque são dois personagens radicalmente diferentes, com fundamentos diferentes, comportamentos quase opostos, e quanto à ideologia... Nem dá pra dizer. O da série não tem. Money talks.

This picture is hosted by ImageShackVerdade seja dita, fica muito difícil qualquer um negar que Tom Welling seja um PÉSSIMO ator, do ponto de vista mais distanciado possível. Não me venha com "ah, mas eu acho ele bom!" - o cara é muito ruim mesmo, canastra em grau Malhação. Deixe a opinião de lado e parta pra uma avaliação: ele faz a interpretação "cheira-peido" de Joey Tribbiani constantemente, ele está sempre com os olhos estatalados, mantém um eterno meio-sorriso em cenas de ação, demonstra o mesmo exato exagero dramático em todas as cenas mais exigentes... Não sobra nada! Quem sorri quando deveria chorar é otimista, não ator. Welling é um David Hasselhoff para a atual geração. E o camarada que faz Lex Luthor é bem fraquinho também, mas acho que já deu pra entender. O povo é bonito? Ninguém discute. Em Malhação ou Baywatch também.

Acompanhando a loucura que tomou conta da terra de Dorothy e Totó, os personagens secundários são todos muito diferentes e fogem das características clássicas. Têm personalidades rasas demais, e não havia a mínima necessidade de introdução de gente nova, já que o universo do Super-Homem vem sendo construído paulatinamente há quase 70 anos, cheio de detalhes e pessoas interessantes que buscavam enriquecer o conceito original sem descaracterizá-lo.

This picture is hosted by ImageShackNão dá pra entender essa coisa de colocar outros heróis da DC em participações especiais... Se pararmos pra pensar no contexto que criaram para a série, parece que o mundo gira em torno de uma cidadezinha do Kansas. Dá pra perceber como a "estratégia" é enganada e francamente risível? Aliás, enganada e meio enganosa, porque nenhum deles é de verdade o que quer ser. Você quer ver o Flash, mas aquele é/não é o Flash, o Aquaman é/não é o Aquaman, o Mxyzptlk é/não é o duende mágico extradimensional (aliás, não é mesmo...) e daí por diante. É razão suficiente para afirmar: quem mora na velha Pequenópolis é Bizarro, e não o Super!

Ficam as perguntas para a posteridade: será que pra fazer sucesso hoje é necessário pegar o sucesso de ontem e desmontá-lo quase que por completo? This picture is hosted by ImageShackVale a pena, em nome do sagrado dólar? Bons valores e bons conceitos já assentados com sucesso não podem ser reforçados com um excelente roteiro? Quanto a essa última, acredito que Batman Begins já respondeu, construindo para o Morcego muito mais do que Smallville destruiu para o Azulão. Vamos esperar que, depois de certo tempo, a DC finja que essa seriezinha medíocre (adjetivo meu) não mereça atenção em termos de cronologia ou qualquer coisa "oficial" da história dos personagens, tanto quanto o referido bat-seriado dos anos 60 foi desconsiderado.

E, então, qual o segredo do sucesso da série? Eu diria que é escarafunchar de maneira inconseqüente, apelando ao imediato. É matar a galinha dos ovos de ouro pra saber o que há dentro, avacalhar os pulmões, o coraçãozinho, espalhar pena até chegar à cloaca, sem retorno. Estão indo à origem na base da força, e, assim, matando-a. Mas estamos falando de uma galinha de ovos de ouro, então ninguém está preocupado. Vamos todos assistir e destrinchar a fonte. Claro que não é só isso... O apelo adolescente é bastante óbvio (inclusive musicalmente), e um monte de gente bonita junta costuma atrair audiência também. Mas vai por mim, fique com o lance da galinha.

É triste a notícia de que nosso amigo Bryan Singer pretende respeitar, em seu filme, aquilo que foi feito em Smallville. Ora, a série já vinha como um desrespeito frontal a tudo o que veio antes, não tem como um filme do típico Super-Homem sair inteiro dali. This picture is hosted by ImageShackOu então, vai saber, é só um papo de marketing para mostrar harmonia dentro da DC e conquistar fãs da televisão. Particularmente, acredito que o filme vai ser uma pequena bomba, mas isso é só mesmo minha opinião prévia e nem tem relação com a série. A escolha de Brandon Routh pareceu errada desde o começo. Ele funciona muito bem como Clark, mas não é Super o suficiente - ainda que Kevin Spacey como Luthor tenha ficado genial! A premissa toda engasga, tropeça e não convence. Auto-exílio no espaço? Respeito a Smallville? Só explicando muito e bem... Até o uniforme infelizmente sofreu com a forte e indevida influência homossexual do diretor, a ponto de terem de "desrealçar o documento" do Routh na pós-produção, porque tinha ficado muito evidente naquela sunguílima "clube dos leopardos"! Não, mané, leia direito; ninguém falou nada contra gays (Queer Eye rules!) nem acusou o diretor, já que ele é gay assumido. Mas, por favor, tenha em mente o estrago causado por Joel Schumacher e sua estética nos últimos batfilmes. Não que Superman Returns vá ser algo tão ruim quanto aquilo... Afinal, X-Men e X2 foram nada menos que maravilhosos nas mãos de Singer.

Aliás, aproveitando o assunto sexual, é legal apontar o aspecto que interessa em Smallville: Erica 'Lois Lane' Durance, bem razoável como atriz e simplesmente de babar como mulher. This picture is hosted by ImageShackConfesso que ela já me fez assistir a alguns episódios - o que também atesta em algum grau a profundidade dos escritores. Sim, a Lana é muito interessante, sem dúvida alguma, e há até aquela loirinha meio sem sal que não faz feio, mas Durance é quem tem fôlego, ou melhor, o tira. Pena que estejam procurando gente mais nova pra ser a Mulher-Maravilha pretendida por Joss Whedon, porque essa moça seria uma boa candidata. Dentre as conhecidas, as também "muito velhas" Jennifer Connelly (preferida desde sempre), Zeta-Jones (outra que não deixa muita dúvida), Lauren Graham (Gilmore Girls), Carrie-Anne Moss (a Trinity, precisa dizer mais?), Charisma Carpenter e Rhona Mitra estariam ótimas, a meu ver. Mas deve acabar sendo uma mocinha nova mesmo (Jordan Bayne?), de preferência com uma beleza mais exótica e condizente com uma amazona grega. Hm... Sotaque, bronzeado, competência, exotismo, corpaço, um rosto nada menos que inesquecível... Por uma nova Miss no lugar da antiga (Lynda Carter): dá pra imaginar uma escolha mais perfeita que a extraordinariamente linda modelo e atriz indiana Aishwarya Rai?

Acabei divagando um pouco... Pelo menos o assunto terminou muito bem e longe da porcaria onde começou. Curta vida a Smallville, porque já está longa demais! This picture is hosted by ImageShack