Serial Frila: Espaço serial paralelo

25 abril 2006

Espaço serial paralelo

(publicado originalmente em 25 de abril de 2006)
(revisado e republicado aqui em 24 de outubro de 2006)


(Vamos variar um pouco o tom desta nota de abertura. Afinal, temos motivos pra agradecer aos canais Sony e Warner, certo? O primeiro emendou a segunda temporada de Medium direto no fim da primeira, mesmo "sem previsão de estréia", como disseram na época. Ótima surpresa! E o segundo está transmitindo aqui capítulos finais de Reunion que não foram ao ar nem nos EUA. Não era estritamente necessário e nem vai levar a lugar algum, devido ao cancelamento prematuro da série. Mas, por alguma razão, o Warner está transmitindo assim mesmo e a gente aprecia bastante.)

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This picture is hosted by ImageShackMajor Tom para controle de terra... Confirmando: neste momento, estamos fora da órbita de Sony, Warner e Fox. O quê? Sim, muita interferência, mas é possível ver mais adiante. Existe um... ahn... Tem umas coisas aqui que eu nunca... Hein? Sim, existem. Agora mesmo tem um monte de séries diferentes ali na frente. Pedindo permissão para desvio de direção. Entendido, controle. Ziggy, iniciar variação de poucos canais. Já temos contato visual... Sim, campo de visão estendido, dilatação negativa do tempo. Ziggy informa que ainda são poucos os objetos. Enviando relatório da Comandante Genie sobre primeiras impressões do universo alternativo. Canal de comunicação TVC 1-5. Iniciando transmissão... Fzz


Esqueça esse papo de "o bom doutor"

This picture is hosted by ImageShackPegue o Dr. Perry Cox, de Scrubs, cujo cinismo, ceticismo e agressividade você provavelmente já conhece bem. Adicione ainda mais conhecimento de causa, menos tolerância com os seres humanos em geral (pacientes e colegas), postura mais agressiva e uma abordagem muito mais barra-pesada: temos aí Gregory House, o médico protagonista da série House (House, M.D., no original).

O traço mais positivo do multi-especialista em diagnósticos (com ênfase em infectologia) é a obstinação inigualável para resolver problemas cabeludos da medicina. Seu maior objetivo nunca é exatamente salvar o paciente, mas sim descobrir "a solução para a máquina quebrada". Por outro lado, assim como Cox, esse artista do raciocínio lógico costuma cair do cavalo ao subestimar sistematicamente os humanos normais feito eu e você.

This picture is hosted by ImageShackNas mãos de um ator extraordinário como Hugh Laurie, vencedor do último Globo de Ouro pelo papel, o personagem desenvolveu uma profundidade incrível. Laurie sabe exatamente o que está fazendo ao apresentar House com sua enorme complexidade contida, deixando transparecer para os outros personagens só a simplicidade do médico brilhante, amargo, frio e sarcástico até não caber mais - e, por essas mesmas razões, simpático para nós, espectadores. A atuação é tão bem trabalhada que em momento algum somos lembrados de que Hugh Laurie é um inglês de pronúncia bastante característica, enquanto House é um americano sem qualquer sotaque, conforme atestam os próprios ianques.

Junte a isso histórias que ora perturbam o raciocínio do espectador, ora destroem seu coração com vontade. Personagens interessantes, textos bem escritos e um assunto cuja exploração já vem sendo aceita com sucesso há anos: estão aí os grandes elementos de House.

This picture is hosted by ImageShackA série é mais focada nos casos científicos (como Medical Investigation ou, em outra lavoura, CSI) do que nas vidas pessoais dos personagens (como fazem Grey's Anatomy, Scrubs ou, buscando o equilíbrio, ER). Mas, dada toda a complexidade mencionada, seria impossível não mostrar um pouco da personalidade extra-médica daquela equipe de elite. Vez por outra, traços de vidas particulares invadem a objetividade para explicar melhor as motivações e o histórico daquilo que está em cena, e assim vamos construindo House (com o perdão do trocadilho involuntário).

A evolução dos casos - todos muito bem elaborados - e a interação dos personagens são tratadas com criatividade e agilidade invejáveis, o que levou a série ao panteão das maiores audiências da TV americana (entre 20 e 22 milhões de espectadores semanais), ao lado de American Idol, Desperate Housewives, CSI e Lost. Os casos do Dr. House, inclusive, já estão garantidos para uma terceira temporada, conforme anunciado pela Fox americana agora em março.

No Brasil, o Universal Channel exibe atualmente a segunda temporada todas as quintas, às 23h30, com reprises no sábado (19h) e no domingo (18h). Diariamente, o mesmo canal a cabo dá uma força pra quem perdeu a primeira temporada, com reprises de todos os episódios às 19h.


Aumentando a qualidade sem efeitos especiais

This picture is hosted by ImageShackDe reprisador "oficial" de besteira ou veículo para programas duvidosos a um canal bastante atraente em termos de séries: o FX hoje vale a pena ser assistido, Baywatchs e Ultimate Fighters à parte.

Antes, pouca coisa ali chamava a atenção. Então, rolou aquela estratégia tapada de estrear Earl e The Office na Fox e no FX ao mesmo tempo, com uma campanha de comunicação péssima. Até o dia da estréia das duas, cada site consultado (incluindo os dos canais!) dizia uma coisa diferente. O status definitivo só ficou claro durante a exibição, quando foi veiculada uma propaganda indicando o FX como casa definitiva das duas séries. Pelo menos são dois motivos extras para assistir ao canal - se parte do público não estiver perdida até hoje, procurando na Fox sem encontrar.

O FX também apresenta problemas muito sérios com legendas e sincronia de áudio e vídeo. As legendas simplesmente distorcem o diálogo (bem mais que o normal) ou trazem bobagens escalafobéticas (como "hambúrguer de queijo" para "cheeseburger"). Quanto à questão da sincronia, bem, só vendo pra entender como é irritante ver um seriado como se fosse um filme de kung-fu mal dublado. Mais uma vez, a gente muda de canal e depois tenta pegar uma reprise durante a semana.

This picture is hosted by ImageShackPara a estréia da minissérie fechada em seis episódios The Grid, o canal já vem preparando mais besteira. O (bom!) anúncio diz simplesmente "quarta-feira", mas a série ainda está para estrear (dia 3 de maio), e não passa nesta semana ou nas anteriores. No site do canal, a programação de maio nem mesmo mostra The Grid até a publicação deste texto!

A produção anglo-americana de 2004 traz a ex-ER Julianna Margulies ao lado do ex-The Practice Dylan McDermott. Os dois são agentes americanos, teoricamente muito bem graduados, que têm de trabalhar com o pessoal do serviço secreto inglês para desbaratar uma ameaça internacional iminente, encabeçada pela Al Qaeda. Uma tradução livre para o título seria algo como "redes", fazendo referência tanto às organizações terroristas quanto aos órgãos de combate ao terrorismo. Recebida com entusiasmo pelo público, o balanço final parece ter sido de que a mini foi satisfatória e até valeu a pena, mas poderia ter sido bem melhor. E nem eu nem você tínhamos ouvido muita coisa a respeito dela desde 2004, certo?

Mas, enquanto o FX não arruma a vida, vamos às boas coisas que estão atualmente na grade do canal.


Dois ilusionistas pelo fim da enganação

This picture is hosted by ImageShackPenn Jilette e (Raymond Joseph) Teller são mágicos e entertainers de carreira, conhecidíssimos nos Estados Unidos. Estão na ativa há décadas com sua arte de contar histórias enquanto fazem números sofisticados e originais, sempre com objetivos maiores que a mera enganação dos olhos. Ao contrário do que muita gente pensa, não são um casal gay (à la Siegfried e Roy), mas, se você sempre achou que fossem, eles também não estariam nem aí. Basta ver Penn & Teller: Bullshit! para entender o porquê.

Pra bom entendedor, existe a ironia de Teller ("falador", em tradução adaptada) não falar. Já vi ele soltar uma palavra em uma ou duas raras ocasiões, mas é Penn que se encarrega da narração histriônica e engraçadíssima, entremeada por dezenas de "fuck!" indignados. Isso é possível porque o programa vai ao ar nos EUA pelo canal a cabo Showtime, o mesmo de The L Word, Weeds e outras séries polêmicas. "Bullshit", inclusive, é uma palavra proibida na TV aberta americana. Poderíamos traduzir esse termo como "mentira", "cascata", "borracha", "caô" ou outra do gênero, mas não há como fugir: seu sentido está mesmo mais próximo do xingo e do palavrão. Trata-se da velha arte de enganar os outros falando merda, muito conhecida dos freqüentadores de boteco e vendedores de todo e qualquer artigo deste mundo.

This picture is hosted by ImageShackA dupla já fez questão de frisar que o programa não se encaixa nos moldes dos reality shows, e ela também não tem conteúdo de drama, comédia ou "dramédia". Seria meio que um conjunto de minidocumentários exibidos semanalmente em espaços de meia-hora, como as séries cômicas. A natureza dessa série é jornalística, e é necessário explicar o que isso significa no mundo pennentelleriano.

Primeiro de tudo, claro que não é e nunca foi função de jornalista solucionar coisas erradas em campos como a medicina, o policiamento, a engenharia, a qualidade da programação televisiva, os transgênicos ou o judiciário. Sendo assim, a série não vai trazer soluções: sua função é levantar problemas, noticiar, fornecer factual. Os apresentadores, que também são escritores do programa, procuram mostrar em meia-hora tudo o que podem sobre determinada enganação corrente e, com isso, levam o espectador a pensar. É a hora de você dizer "Ah, mas eles não deixam a gente pensar! Eles induzem a coisa toda e mostram o ponto de vista deles!". E você está certo(a). Ou quase. Na verdade, falou merda, mas...

O que acontece é que Penn e Teller dedicaram suas vidas às verdades das coisas, mas não são jornalistas de formação nem pretendem ser. E aí entra um mérito incontestável: fugir do mito da "objetividade jornalística", algo que simplesmente não existe, por mais que revistas e jornais tentem te empurrar mais essa "bullshit". Por meio de declarações tão imediatas quanto possível, raciocínio lógico e cortes da embromação, os caras pegam tudo o que se enquadre na categoria do "comumente aceito" e mostram os fatos que existem ao redor da questão. Mythbusters, do canal Discovery, faz algo bem parecido, mas em termos mais práticos. Penn e Teller mexem com algo bem mais perigoso: o terreno ideológico. E, em ambos os casos, vale a máxima de que "contra fatos incontestáveis não há argumentos (opiniões)". Ou seja, aja como quiser, desde que você conheça os fatos e não vá ser burro de ignorá-los.

Os dois não dão a mínima para "vacas sagradas". Aliás, provavelmente dariam a mínima se o assunto fosse literalmente vacas sagradas, já que normalmente não tentam contestar coisas cujo oposto não tenham como provar com fatos (por exemplo, que vacas indianas sejam sagradas ou que não existam um ou mais deuses). A essência do programa é que não importa se é de direita ou de esquerda, minoritário ou majoritário, americano ou europeu, cordeirinho ou paranóico, fé (cega) ou ciência (ruim): onde houver gente falando merda que puder ser desmentida, lá estarão os dois para nos prestar esse serviço. Isso deveria passar às 20h30 na Globo...

This picture is hosted by ImageShackVai uma lista de tópicos já abordados no programa, em mais de 40 episódios? Diabos, os caras não pouparam nem mesmo seu próprio programa! Afinal, o primeiro argumento de gente descabeçada e preguiçosa é sempre o mesmo: "O que garante, então, que esses caras estejam dizendo a verdade?" Pois, no fim da terceira temporada, a dupla também questiona se seu programa deveria estar entre os indicados a prêmios sob a alcunha de "o melhor" (como já esteve e até ganhou). Isso porque não importa pra eles ser "o melhor programa", "o melhor reality show" ou "o melhor jornalístico". Contanto que você assista, se informe e comece a questionar as cagadas do mundo moderno, o programa é bom e cumpriu sua missão, e isso é suficiente.

Muda alguma coisa? Não sei... É provável que Penn e Teller estejam apenas pregando para convertidos e que o tamanho da estupidez humana jamais deva ser subestimado, como bem disse o grande Robert Heinlein. Mas é fato que, antes do fim da terceira temporada, o Showtime já havia encomendado não apenas uma, mas duas temporadas inteiras de episódios inéditos dos camaradas. Já viu isso antes? Longa vida ao programa, e que venham os DVDs, com urgência!

Você pode assistir atualmente a terceira temporada nas segundas do FX, às 22h. Pois é, o mesmo horário de 24 Horas na Fox. Então, você pega a reprise mais tarde, às 2h da manhã; ou inverte e vê 24 na reprise da Fox à 1h da manhã e vai dormir mais cedo. Ou usa um videocassete. Ou tenta o fim de semana... Mas Bullshit! não repete no fim da semana... Raios... Que hora mesmo passa 24 no sáb...? Aaaw, fuck it!


Brancos tapados, da roça ao escritório

This picture is hosted by ImageShackDepois de muita espera do público brasileiro, My Name is Earl e a versão americana de The Office finalmente estrearam no FX.

Earl é o típico americano do interior pobre: caipirão, branco, preconceituoso, burro e, com o perdão do latim, muito fodido na vida. O povo por lá tem o hábito de se referir a esses tipos como "white trash" - o sujeito que, apesar de branco, mora num estacionamento de trailers e está bem longe dos brancos que controlam o país. É o mesmo perfil populacional de onde nunca deveriam ter saído tipos como Britney Sperms e seu querido Kevin Fredegundo, entre outros famosos-por-nada.

A série merece o hype, porque é realmente muito boa. A premissa envolvendo carma e os erros de uma vida (conceitos aprendidos num talk show, coisa tipicamente white trash) dá bastante pano pra manga. As histórias são muito bem amarradas, objetivas e com um monte de ótimas piadas e detalhes legais encaixados em tudo quanto é situação.

This picture is hosted by ImageShackDestaque absoluto para as atuações de Jason Lee como Earl Hickey (a cara dele rindo, dançando bêbado ou em fotos é impagável) e Ethan Suplee, como o irmão Randy Hickey. Jaime Pressly (a ex-esposa Joy) e Eddie 'Crabman' Steeples também arrasam, enquanto a hot latina da vez, Nadine Velazquez, serve de colírio, não compromete nem chama a atenção e deveria, com urgência, dar aulas de sotaque convincente para a deusa Sofía Vergara, de Hot Properties.

Os personagens ocasionais, ah, esses dão shows à parte... O louco-convertido-cristão (com direito a uma tatuagem de Moisés nas costas, separando as... bandas), o velhote que fala por um aparelho, a ex-namorada perneta de Earl, o filho com seu black power podraço, a caquética "prostituta diurna" (com um seio bom!) e todos os outros que ainda estão por vir certamente são e serão memoráveis. Seinfeld fez muita fama com isso, por personagens como Steinbrenner, Soup Nazi e Crazy Joe Devola, o que dá uma ótima direção a Earl. Espere, por exemplo, a participação recorrente do sempre hilário Giovanni Ribisi (o irmão de Phoebe em Friends e marido de Scarlett 'Meudeusdocéuqueisso' Johansson no ótimo Lost in Translation). Além disso, vai chegar um momento em que os "consertos" de Earl deixam de ser tão amigáveis e cheios de finais felizes. Sim, é capaz de ficar ainda mais engraçado, pelas descrições que andei lendo.

Em janeiro, My Name is Earl ganhou temporada inteira da NBC, com boas chances de garfar episódios também em 2007. Jason Lee está se recuperando de uma prosaica catapora e volta com tudo pros episódios que fecham essa primeira fornada. Earl é tida como a grande estréia em comédias americanas desde Scrubs e Two and a Half Men.

This picture is hosted by ImageShackNa seqüência, é verdade que The Office não começou do jeito mais animador do mundo, mas isso (a) tem ótimas explicações e (b) tende a mudar bem rápido.

Se você não esteve em Netuno nos últimos anos, sabe que a série original é inglesa, criada, escrita e protagonizada pelo genial Ricky Gervais. Foi (ainda é?) exibida aqui pelo canal People+Arts. Devido ao enorme sucesso e à qualidade de sua já encerrada produção, nosso amigo bretão foi então convidado a escrever uma versão americana para a coisa. Voilà: adaptações são sempre temerárias, ainda mais entre culturas diferentes. Mas deu certo.

This picture is hosted by ImageShackThis picture is hosted by ImageShackNa Inglaterra, o patrão David Brent era vivido por Gervais; nos EUA, Steve Carell (O Virgem de 40 Anos) aparece como Michael Scott, também no comando de uma empresa de papéis. Em comum, os dois chefes têm o retardamento mental, com sabores diferentes. Gervais interpretava mais com jeito de perdedor convencido tentando uma afirmação entre seus funcionários, que o odiavam; Carell, com momentos de genialidade, busca a imagem de chefe respeitável que, na verdade, é babaca demais para perceber sua própria e infinita estupidez - e seus funcionários o odeiam em igual quantidade.

Resumindo, não tema: as notícias dão conta de que Gervais pegou o jeito americano aos poucos e que The Office: US version segue em vertiginosa ascendente. Prova da aceitação dos americanos é que a série começou como mid-season - só seis episódios de teste - e, em janeiro passado, ganhou uma segunda temporada inteira de uma vez.

É um ótimo serviço que o FX presta aos espectadores reprisar Earl e Office mais tarde no domingo, às 2h da manhã. Nas quintas-feiras, outra repetição ocorre num horário mais humano e quase sem competição (às 23h, só House). Não reclame das reprises numa mesma semana: elas são o bom diferencial do cabo e ainda tornam possível a gente ver Numb3rs, no domingo. Então, passemos a ela.


Muitas mentes brilhantes

O canal Telecine deu férias para Numb3rs este mês, no meio da segunda temporada. Mas a CBS americana há pouco presenteou a série com os 24 episódios que constituem temporada completa, então, não devemos ficar sem nossa dose durante muito tempo. Vamos ver.

This picture is hosted by ImageShackA premissa da série é bem mais simples que suas tramas: o agente-galã do FBI Don Eppes (Rob Morrow) tem um irmão matemático superdotado feioso chamado Charlie (David Krumholtz). Um dia, Don está desorientado por um crime, Charlie propõe ajuda matemática para a investigação e, claro, tudo dá certo pra caramba. A partir daí, começam a colaborar com freqüência, e Charlie vira um consultor ligado diretamente aos federais. E tem todo o resto: amigo nerd viajandão, interesses amorosos para todos, papai alívio cômico, etc.

Não há dúvida de que Numb3rs aborda um lado muito interessante da matemática e tem apelo para quem quer mais do que ação, comédia ou dramas humanos comuns. Mas é engraçado perceber que existem uns defeitos que só podemos chamar de "estranhos". Vamos salientar, de pronto, que é uma série ainda mais nerd que CSI, o que traz pontos muito positivos (a inteligência dos roteiros) e negativos (acaba sendo pouco atraente para grande público). Mas os tais pecados são cometidos quando a série passa, sem necessidade ou explicação, do simplismo mais tacanho ao hermetismo mais obsessivo, dedicando pouca atenção aos meios-termos de gente inteligente normal.

This picture is hosted by ImageShackExplicando: com meia-hora de episódio, o FBI (veja bem, o FBI!) chega à inesperada conclusão de que os bandidos estão roubando suas vítimas porque elas têm algo de valioso em comum. A gente que está aqui só assistindo já tinha percebido isso antes de ligar a TV... Então, como se por milagre, todo e qualquer crime pode ser resolvido por lógica matemática. Charlie misteriosamente se inclui entre os "cegos" iniciais, mas cumpre seu papel de pensador. De repente, tome complexidade de explicações-relâmpago e teorias obscuras tiradas do nada. Em questão de poucas horas, ele é capaz de desenvolver algoritmos monstruosos, testá-los com milhares dados e tirar conclusões completamente absurdas da manga com uma desenvoltura que impressionaria o próprio Einstein.

This picture is hosted by ImageShackIsso lembra bem um personagem de South Park (que eu não acompanho tanto quanto gostaria). É um certo cientista que parece ter sido inspirado pelo personagem de Jeff Goldblum em Independence Day. O cara ouve, observa, mexe em uns computadores e, de repente, solta uma palavra totalmente aleatória. Faz uma associação absurda, emenda outra mais absurda ainda e segue esse caminho de doidos até alguma coisa que nada tem a ver com o começo, ou mesmo com a solução que procuravam. Numb3rs muitas vezes vai por aí. Simplesmente não se sabe de onde veio a conclusão do caso ou por qual razão decidiram seguir a trilha X e não a Y.

Nesse contexto, muita coisa fica mesmo contraditória e pouco convincente. É aquele famoso conceito do "saque" que a gente vê em filme de James Bond. Chame de forçar a barra, apelar para a inverossimilhança, alterar demais as probabilidades, entrar em situações sem causas nem conseqüências - é tudo "saque". Em Numb3rs, essas impossibilidades não são físicas (como lanchas que voam e revólveres teleguiados), e sim intelectuais. Mensagem subliminar: "a matemática é sua amiga e tem muito mais utilidade prática do que a gente imagina no colégio". Hm, yeah, arrã, arrã...

Não deixa de ser um programa bastante legal, mas, pros seres humanos normais do lado de cá, não se encaixaria no filão tipicamente policial. Estamos mais para uma espécie de ficção científica: histórias não muito plausíveis que utilizam ciência de doido em seu desenvolvimento. Ainda assim, é muito bem produzida (pelos irmãos Tony e Ridley Scott) e tem muitas tramas boas de verdade, então, vale a audiência e a curiosidade pelos recursos matemáticos loucos utilizados.

Desligando

Bom, tem de sobrar texto para outras colunas. Me desculpe o leitor pelo tamanho dessas páginas, mas eu gosto mesmo de passar todas as informações possíveis, e a internet permite. Se você aprecia textos enormes sobre suas séries de TV, pode escrever dizendo isso, que eu vou me sentir menos culpado.

O "mundo alternativo" ainda tem muita coisa a ser abordada, incluindo os desenhos adultos, sobre os quais quero escrever faz tempo. Espere por mais falatório em breve! This picture is hosted by ImageShack