Serial Frila: Experimente Lost você também

30 maio 2006

Experimente Lost você também

(publicado originalmente em 30 de maio de 2006)
(revisado e republicado aqui em 16 de setembro de 2006)


"Desde a aurora de nossa espécie,
o homem foi abençoado com a curiosidade.
"
- Alvar Hanso

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This pic is hosted by ImageShackMuito se falou por aí a respeito do jogo online Lost Experience, mas pouco se explicou. Afinal, o que esse jogo teria a ver com o sucesso televisivo Lost? Que espécie de jogo é esse? É de tabuleiro, é eletrônico, fica em um site? Seria para PC ou Playstation? Pra quem ainda não conseguiu entender a natureza do jogo e como ele se desenrola, vamos tentar explicar.

Primeiro de tudo: não é um desses games que você tem de jogar com um controle especial de 23 botões nas mãos. Não tem de instalar nada nem salvar a parte jogada ou enfrentar os tais "chefes de fase". Lost Experience é uma brincadeira coletiva de investigação de pistas lançadas na internet e que têm relação direta com elementos mostrados na série de TV.

Esse tipo de jogo é chamado ARG, sigla para alternate reality game, "jogo de realidade alternativa". Ou seja, é uma realidade como se fosse a nossa, mas não é a nossa. Esse mundo paralelo-simultâneo tem seus próprios elementos e é tratado como real - aliás, é condição essencial do encadeamento das peças que ele que seja tratado como uma verdade atual e presente, e não como um jogo. Daí o nome que pode ser traduzido como "experimentando um pouco de Lost na própria pele". A forma de a coisa se desenrolar, como podemos intuir da definição, é bem sutil, emaranhada nos aspectos comuns que podemos encontrar no nosso mundo. Por exemplo, não existe um site do jogo, já que ele "não é um jogo".

This pic is hosted by ImageShackOficialmente, Lost Experience começou no último dia 3 de maio, mas sua semente já estava plantada na rede algum tempo antes disso, na forma do site da fictícia Hanso Foundation. Essa entidade, você como bom fã deve lembrar, seria a mantenedora do Dharma Initiative, responsável pelos vídeos encontrados em alguns dos episódios na TV. O site vinha como uma espécie de adendo à série, uma extensão divertida daquele universo dos náufragos. Trazia biografias de ilustres desconhecidos, atividades diversas da fundação ao redor do mundo, referências científicas meio disparatadas, notícias estranhas e um bocado de discretas incongruências administrativas e operacionais da fundação. Tudo muito misterioso (como sempre), mas nada necessariamente essencial, pelo menos em aparência. Até que...

No fim de abril, os produtores anunciaram que haveria um jogo online e que os fãs deveriam seguir pistas, mas não deram muitos detalhes. Então, no 3 de maio, em um dos intervalos da série, a ABC veiculou um comercial fictício da fundação. Nele, tínhamos o número de telefone de um executivo. Milhares de pessoas ligaram para o tal número e conseguiram captar a primeira pista: a palavra "breakingstrain", uma senha a ser usada não se sabia onde. Só que o site também fora sutilmente atualizado, e a senha cabia direitinho num campo obscuro que fez parte de uma nova seção.

O que se seguiu desde então foi uma amarração incrível dos sites fantasiosos (Hanso Foundation, Oceanic Airlines, sublymonal) com palavras cifradas ("inmate asylum", "standby", "missing organs", "heir apparent"), dicas ocultas em HTML de páginas, podcasts de um DJ que não existe, intrusão em sites "reais", como o YouTube (uma das vídeo-pistas só apareceu por lá) ou o Horde (serviço de webmail) e até envolveu outras empresas fictícias e empresas reais que entraram na bricadeira - mediante muita grana de publicidade, claro. Hoje, as informações do jogo, úteis ou não, já se contam às centenas, e a cada dia são encontradas novas evidências para se descobrir como a fundação veio a existir, que projetos ela fomenta e, principalmente, tudo o que há de errado com suas atividades atuais - o que poderia dizer respeito aos náufragos da nossa velha conhecida ilha no sul do Pacífico.

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Mas não se trata somente de um jogo de gato e rato. Temos, acima de tudo, uma jogada acertadíssima de marketing para manter o interesse do público nesses meses em que os passageiros perdidos estão de férias. Ou você acha que a estréia do jogo justamente no último mês de exibição da série nos EUA foi por acaso? A cada pulo - a cada pista seguida, página aberta, senha descoberta e texto que vaza - revelam-se novas atividades, novos personagens, novos fatos mal-explicados, e tudo indica que a Hanso Foundation e seu fundador, Alvar Hanso, estão bem distantes de ser aquilo que nós e o mundo "losternativo" acreditamos que sejam. Tudo isso vai se acumulando pra que a gente chegue à próxima temporada com um belo monte de informações adicionais, mesmo com a série fora do ar! Coisa de gênio.

Falando nos ilhados, é claro que você não vai encontrar menções claras a nenhum nome ou histórico. Nada de Jack, Michael, Kate, Locke, Charlie, Sun ou Sawyer, pelo menos nesses estágios iniciais. Os personagens do jogo, além dos próprios jogadores e suas muitas horas de folga, são os diretores da Hanso, um orangotango, uma hacker misteriosa e figuras que aparecem de relance em fotos e em meras menções em textos semi-incompreensíveis. Está aí um grande problema: as pistas já exploradas sempre acabam levando a mistérios ainda mais complicados, sem dar respostas que encaixem umas com as outras.

Dentre as caras novas desse universo (sem caras, na maioria), fomos apresentados à hacker Persephone, aparentemente uma ex-funcionária da Hanso que hoje quer dedurar todas as maracutaias e acabar com a falsa reputação que a fundação construiu.

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This pic is hosted by ImageShackNo conselho de diretores, nomes como Hugh McIntyre, Peter Thompson e Thomas Mittelwerk aparecem como responsáveis por dirigir a entidade, e Persephone vem tentando desacreditá-los e revelar ao "público" (do mundo fictício e a nós mesmos) que aqueles executivos sérios na verdade encobrem muita sujeira que rola nas atividades científicas da fundação. Seria por vingança? Humanitarismo? Fato é que Persephone se mostra bastante revoltada com a fundação, escondeu observações suas em locais estratégicos do site e, às vezes, até "conversa" com o investigador fã (nada em tempo real, tudo em Flash). Em um de seus hackings, manda recados por uma tela semelhante àquela em que Michael e Walt conversam sabe-se lá como. Em outra mensagem escondida, podemos ouvi-la perguntando, de forma bem agressiva, em meio à música misteriosa e às imagens mescladas: "O que se passa aqui? Quem está no comando??".

This pic is hosted by ImageShack Outro personagem novo é o DJ Dan, disposto a "combater a autoridade", segundo suas próprias palavras, e um adepto de teorias conspiratórias. Na única foto do DJ, a pessoa que o interpreta é um dos escritores de Lost, Javier Grillo-Marxuach, que foi reconhecido pelos fãs. O homem vai deixando podcasts em seu site, conversa com ouvintes no telefone, viaja um bocado em teorias (compartilhadas por eles) e, nesse meio, dá umas tiradas que nos levam a desconfiar de que ele sabe mais do que aparenta.

This pic is hosted by ImageShack Também foram introduzidos na história o autor fictício Gary Troup e seu livro Bad Twin, que foi lançado de verdade nos Estados Unidos e está vendendo um absurdo por lá - suspeita-se de que o autor seja Stephen King, fã confesso da série. O livro fala de um detetive particular que é contactado por um sujeito misterioso. O sujeito procura seu gêmeo idêntico (em muitos aspectos) e vem de uma família bastante rica, cujo sobrenome é Widmore (lembre-se disso!). As obras Gilgamesh e Beowulf são mencionadas na narrativa, além do mito da caverna de Platão e de um livro não-identificado de Herman Melville, autor de Moby Dick. Entre conexões com outros personagens e um monte de andanças, o detetive passa justamente pela Hanso e descreve sua percepção do lugar, com muito desdém. Existem ainda menções bem suspeitas a um urso polar, que teria sido caçado pelo seu contratante, e ao sobrenome coreano Paik, que estaria ligado a uma grande corporação. Uma questão ainda mais capciosa: por que Gary Troup é um anagrama de "purgatory", se os produtores já desmentiram boatos de que ninguém ali está morto (bom, fora os óbvios) ou no inferno, purgatório ou outra dimensão?

This pic is hosted by ImageShack Ficamos conhecendo ainda o orangotango Joop, que seria produto de uma bem-sucedida experiência genética envolvendo longevidade. Segundo a Hanso, Joop tem hoje 105 anos, quando a expectativa de vida normal seria de uns 40 a 50 anos. Nas fotos, o símio aparece todo simpático, mas uma das brechas do site (cortesia de Persephone) mostra o bicho berrando em um vídeo, como se estivesse atacando alguém. Além disso, em pelo menos uma das imagens obscuras já encontradas, um orangotango bem diferente de Joop foi identificado. Será que ele é real mesmo? Haveria fraude de resultados na pesquisa? Ainda veremos um orangotango em Lost, depois do urso, do cachorro, do porco-do-mato, do tubarão e do cavalo? O baguá do i-ching, símbolo do Dharma, teria algo a ver com horóscopo chinês? Calma, tô de sacanagem... eu acho.

Na verdade, não dá pra descartar nada. A toda hora aparece um nome novo e uma nova fonte de especulações. O pessoal que se dedica a correlacionar as pistas e resolver as pequenas partes desse imenso quebra-cabeça anda fazendo coisas inimagináveis. Há casos, por exemplo, em que as mensagens foram deixadas em sequências numéricas que corresponderiam a letras embaralhadas. Tudo bem até aí. Mas depois, descobrem que as letras também estão em código e precisam fazer uma rotação do alfabeto baseada no número 8 (tcha-ran!) para que as novas letras apareçam. This pic is hosted by ImageShackE aí é descobrir o anagrama e saber o que significa aquela expressãozinha nova. Em outra peripécia, os fãs tiveram de explorar uma longa lista de diretórios (como se fosse o seu Windows Explorer) atrás dos conteúdos, que nunca eram simplesmente entregues de bandeja, claro. E aí entra até conversão de imagens em texto e vice-versa. A sobreposição de imagens, aliás, é constante, e os feras do Photoshop andam tendo trabalho para decompor as imagens em duas distintas. Atualmente, se você descobrir o que está oculto com relação a esse vulto aí ao lado, pode dar uma boa ajuda pro pessoal que está arrancando os cabelos. Já tentaram o espelhamento das metades, ficou legal, mas não disse muito...

De tudo o que foi apresentado, o que dá pra "concluir" até agora é que não há conclusão alguma. O pessoal acredita que Gary Troup, que morreu no acidente de avião, também tenha sido um funcionário insatisfeito e que tenha escrito Bad Twin como uma alegoria para... bom, não se sabe bem para quê, mas envolveria a morte de Hanso e falcatruas que o autor teria presenciado, apresentadas no livro por metáforas. Especula-se, por exemplo, que Alvar Hanso esteja morto há tempos e teria sido substituído por um gêmeo malvado (ou bondoso, no lugar de um Alvar malvado), ou mesmo que esse pretenso benfeitor da humanidade nunca tenha sequer existido.

Sabe-se que a fundação financiou experiências científicas de naturezas bem diferentes, como as alterações genéticas de Joop, pesquisas com doenças devastadoras na África (não na Nigéria de Mr. Eko, mas na Zâmbia), estudos revolucionários com campos eletromagnéticos, uma certa "equação Valenzetti" (que gerou um site falso, feito por um fã) e algo relacionado a transplantes e roubo de órgãos. Há ainda traços de envolvimento com sociedades secretas (foram encontradas referências a um "olho que tudo vê", além das acusações do DJ Dan) e de This pic is hosted by ImageShackexperiências sócio-comportamentais de natureza ainda desconhecida - se alguém se lembra do oriental falando das teorias de Skinner no vídeo do Dharma, é aqui que isso entraria. Suspeito de que essa parte específica venha a ser bastante séria para o futuro da trama. E o que diabos fazem as menções a um mapinguari (uma preguiça gigante pré-histórica que existiu no Brasil) em meio aos textos secretos da Hanso??

Dá pra perceber que estamos numa espécie de história paralela à do Lost que vemos na TV. As correlações ainda não ficaram claras (na verdade, o recente final de temporada revela um pouco mais a respeito delas), mas é certo que Kate, Locke, Hugo, Charlie e todo o resto estão na ilha por causa de atividades, voluntárias ou não, da maquiavélica Fundação Hanso. Isso não é spoiler algum, nem teoria; não temos a mínima idéia de que maquinações os tenham levado àquela situação, mas as duas histórias certamente não estão interligadas à tôa. Inclusive, pense bem... O Dharma é apenas um projeto dentre outros da Hanso. Se tudo o que vimos em Lost até agora só fala desse projeto específico, o que mais podemos esperar?

Que venham mais pistas, que venha a terceira temporada (rápido!) e que venha... hm, não sei se eu quero que venha mais nada não... This picture is hosted by ImageShack

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- Nossos sinceros agradecimentos ao havaiano lostmaníaco Edward Morita, ou NctrnlBst, pelas imagens cedidas para este texto.
- Big thanks to Hawaiian lostmaniac Edward Morita, aka NctrnlBst, who kindly provided the pics you see in this article.