Serial Frila: abril 2006

25 abril 2006

Espaço serial paralelo

(publicado originalmente em 25 de abril de 2006)
(revisado e republicado aqui em 24 de outubro de 2006)


(Vamos variar um pouco o tom desta nota de abertura. Afinal, temos motivos pra agradecer aos canais Sony e Warner, certo? O primeiro emendou a segunda temporada de Medium direto no fim da primeira, mesmo "sem previsão de estréia", como disseram na época. Ótima surpresa! E o segundo está transmitindo aqui capítulos finais de Reunion que não foram ao ar nem nos EUA. Não era estritamente necessário e nem vai levar a lugar algum, devido ao cancelamento prematuro da série. Mas, por alguma razão, o Warner está transmitindo assim mesmo e a gente aprecia bastante.)

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This picture is hosted by ImageShackMajor Tom para controle de terra... Confirmando: neste momento, estamos fora da órbita de Sony, Warner e Fox. O quê? Sim, muita interferência, mas é possível ver mais adiante. Existe um... ahn... Tem umas coisas aqui que eu nunca... Hein? Sim, existem. Agora mesmo tem um monte de séries diferentes ali na frente. Pedindo permissão para desvio de direção. Entendido, controle. Ziggy, iniciar variação de poucos canais. Já temos contato visual... Sim, campo de visão estendido, dilatação negativa do tempo. Ziggy informa que ainda são poucos os objetos. Enviando relatório da Comandante Genie sobre primeiras impressões do universo alternativo. Canal de comunicação TVC 1-5. Iniciando transmissão... Fzz


Esqueça esse papo de "o bom doutor"

This picture is hosted by ImageShackPegue o Dr. Perry Cox, de Scrubs, cujo cinismo, ceticismo e agressividade você provavelmente já conhece bem. Adicione ainda mais conhecimento de causa, menos tolerância com os seres humanos em geral (pacientes e colegas), postura mais agressiva e uma abordagem muito mais barra-pesada: temos aí Gregory House, o médico protagonista da série House (House, M.D., no original).

O traço mais positivo do multi-especialista em diagnósticos (com ênfase em infectologia) é a obstinação inigualável para resolver problemas cabeludos da medicina. Seu maior objetivo nunca é exatamente salvar o paciente, mas sim descobrir "a solução para a máquina quebrada". Por outro lado, assim como Cox, esse artista do raciocínio lógico costuma cair do cavalo ao subestimar sistematicamente os humanos normais feito eu e você.

This picture is hosted by ImageShackNas mãos de um ator extraordinário como Hugh Laurie, vencedor do último Globo de Ouro pelo papel, o personagem desenvolveu uma profundidade incrível. Laurie sabe exatamente o que está fazendo ao apresentar House com sua enorme complexidade contida, deixando transparecer para os outros personagens só a simplicidade do médico brilhante, amargo, frio e sarcástico até não caber mais - e, por essas mesmas razões, simpático para nós, espectadores. A atuação é tão bem trabalhada que em momento algum somos lembrados de que Hugh Laurie é um inglês de pronúncia bastante característica, enquanto House é um americano sem qualquer sotaque, conforme atestam os próprios ianques.

Junte a isso histórias que ora perturbam o raciocínio do espectador, ora destroem seu coração com vontade. Personagens interessantes, textos bem escritos e um assunto cuja exploração já vem sendo aceita com sucesso há anos: estão aí os grandes elementos de House.

This picture is hosted by ImageShackA série é mais focada nos casos científicos (como Medical Investigation ou, em outra lavoura, CSI) do que nas vidas pessoais dos personagens (como fazem Grey's Anatomy, Scrubs ou, buscando o equilíbrio, ER). Mas, dada toda a complexidade mencionada, seria impossível não mostrar um pouco da personalidade extra-médica daquela equipe de elite. Vez por outra, traços de vidas particulares invadem a objetividade para explicar melhor as motivações e o histórico daquilo que está em cena, e assim vamos construindo House (com o perdão do trocadilho involuntário).

A evolução dos casos - todos muito bem elaborados - e a interação dos personagens são tratadas com criatividade e agilidade invejáveis, o que levou a série ao panteão das maiores audiências da TV americana (entre 20 e 22 milhões de espectadores semanais), ao lado de American Idol, Desperate Housewives, CSI e Lost. Os casos do Dr. House, inclusive, já estão garantidos para uma terceira temporada, conforme anunciado pela Fox americana agora em março.

No Brasil, o Universal Channel exibe atualmente a segunda temporada todas as quintas, às 23h30, com reprises no sábado (19h) e no domingo (18h). Diariamente, o mesmo canal a cabo dá uma força pra quem perdeu a primeira temporada, com reprises de todos os episódios às 19h.


Aumentando a qualidade sem efeitos especiais

This picture is hosted by ImageShackDe reprisador "oficial" de besteira ou veículo para programas duvidosos a um canal bastante atraente em termos de séries: o FX hoje vale a pena ser assistido, Baywatchs e Ultimate Fighters à parte.

Antes, pouca coisa ali chamava a atenção. Então, rolou aquela estratégia tapada de estrear Earl e The Office na Fox e no FX ao mesmo tempo, com uma campanha de comunicação péssima. Até o dia da estréia das duas, cada site consultado (incluindo os dos canais!) dizia uma coisa diferente. O status definitivo só ficou claro durante a exibição, quando foi veiculada uma propaganda indicando o FX como casa definitiva das duas séries. Pelo menos são dois motivos extras para assistir ao canal - se parte do público não estiver perdida até hoje, procurando na Fox sem encontrar.

O FX também apresenta problemas muito sérios com legendas e sincronia de áudio e vídeo. As legendas simplesmente distorcem o diálogo (bem mais que o normal) ou trazem bobagens escalafobéticas (como "hambúrguer de queijo" para "cheeseburger"). Quanto à questão da sincronia, bem, só vendo pra entender como é irritante ver um seriado como se fosse um filme de kung-fu mal dublado. Mais uma vez, a gente muda de canal e depois tenta pegar uma reprise durante a semana.

This picture is hosted by ImageShackPara a estréia da minissérie fechada em seis episódios The Grid, o canal já vem preparando mais besteira. O (bom!) anúncio diz simplesmente "quarta-feira", mas a série ainda está para estrear (dia 3 de maio), e não passa nesta semana ou nas anteriores. No site do canal, a programação de maio nem mesmo mostra The Grid até a publicação deste texto!

A produção anglo-americana de 2004 traz a ex-ER Julianna Margulies ao lado do ex-The Practice Dylan McDermott. Os dois são agentes americanos, teoricamente muito bem graduados, que têm de trabalhar com o pessoal do serviço secreto inglês para desbaratar uma ameaça internacional iminente, encabeçada pela Al Qaeda. Uma tradução livre para o título seria algo como "redes", fazendo referência tanto às organizações terroristas quanto aos órgãos de combate ao terrorismo. Recebida com entusiasmo pelo público, o balanço final parece ter sido de que a mini foi satisfatória e até valeu a pena, mas poderia ter sido bem melhor. E nem eu nem você tínhamos ouvido muita coisa a respeito dela desde 2004, certo?

Mas, enquanto o FX não arruma a vida, vamos às boas coisas que estão atualmente na grade do canal.


Dois ilusionistas pelo fim da enganação

This picture is hosted by ImageShackPenn Jilette e (Raymond Joseph) Teller são mágicos e entertainers de carreira, conhecidíssimos nos Estados Unidos. Estão na ativa há décadas com sua arte de contar histórias enquanto fazem números sofisticados e originais, sempre com objetivos maiores que a mera enganação dos olhos. Ao contrário do que muita gente pensa, não são um casal gay (à la Siegfried e Roy), mas, se você sempre achou que fossem, eles também não estariam nem aí. Basta ver Penn & Teller: Bullshit! para entender o porquê.

Pra bom entendedor, existe a ironia de Teller ("falador", em tradução adaptada) não falar. Já vi ele soltar uma palavra em uma ou duas raras ocasiões, mas é Penn que se encarrega da narração histriônica e engraçadíssima, entremeada por dezenas de "fuck!" indignados. Isso é possível porque o programa vai ao ar nos EUA pelo canal a cabo Showtime, o mesmo de The L Word, Weeds e outras séries polêmicas. "Bullshit", inclusive, é uma palavra proibida na TV aberta americana. Poderíamos traduzir esse termo como "mentira", "cascata", "borracha", "caô" ou outra do gênero, mas não há como fugir: seu sentido está mesmo mais próximo do xingo e do palavrão. Trata-se da velha arte de enganar os outros falando merda, muito conhecida dos freqüentadores de boteco e vendedores de todo e qualquer artigo deste mundo.

This picture is hosted by ImageShackA dupla já fez questão de frisar que o programa não se encaixa nos moldes dos reality shows, e ela também não tem conteúdo de drama, comédia ou "dramédia". Seria meio que um conjunto de minidocumentários exibidos semanalmente em espaços de meia-hora, como as séries cômicas. A natureza dessa série é jornalística, e é necessário explicar o que isso significa no mundo pennentelleriano.

Primeiro de tudo, claro que não é e nunca foi função de jornalista solucionar coisas erradas em campos como a medicina, o policiamento, a engenharia, a qualidade da programação televisiva, os transgênicos ou o judiciário. Sendo assim, a série não vai trazer soluções: sua função é levantar problemas, noticiar, fornecer factual. Os apresentadores, que também são escritores do programa, procuram mostrar em meia-hora tudo o que podem sobre determinada enganação corrente e, com isso, levam o espectador a pensar. É a hora de você dizer "Ah, mas eles não deixam a gente pensar! Eles induzem a coisa toda e mostram o ponto de vista deles!". E você está certo(a). Ou quase. Na verdade, falou merda, mas...

O que acontece é que Penn e Teller dedicaram suas vidas às verdades das coisas, mas não são jornalistas de formação nem pretendem ser. E aí entra um mérito incontestável: fugir do mito da "objetividade jornalística", algo que simplesmente não existe, por mais que revistas e jornais tentem te empurrar mais essa "bullshit". Por meio de declarações tão imediatas quanto possível, raciocínio lógico e cortes da embromação, os caras pegam tudo o que se enquadre na categoria do "comumente aceito" e mostram os fatos que existem ao redor da questão. Mythbusters, do canal Discovery, faz algo bem parecido, mas em termos mais práticos. Penn e Teller mexem com algo bem mais perigoso: o terreno ideológico. E, em ambos os casos, vale a máxima de que "contra fatos incontestáveis não há argumentos (opiniões)". Ou seja, aja como quiser, desde que você conheça os fatos e não vá ser burro de ignorá-los.

Os dois não dão a mínima para "vacas sagradas". Aliás, provavelmente dariam a mínima se o assunto fosse literalmente vacas sagradas, já que normalmente não tentam contestar coisas cujo oposto não tenham como provar com fatos (por exemplo, que vacas indianas sejam sagradas ou que não existam um ou mais deuses). A essência do programa é que não importa se é de direita ou de esquerda, minoritário ou majoritário, americano ou europeu, cordeirinho ou paranóico, fé (cega) ou ciência (ruim): onde houver gente falando merda que puder ser desmentida, lá estarão os dois para nos prestar esse serviço. Isso deveria passar às 20h30 na Globo...

This picture is hosted by ImageShackVai uma lista de tópicos já abordados no programa, em mais de 40 episódios? Diabos, os caras não pouparam nem mesmo seu próprio programa! Afinal, o primeiro argumento de gente descabeçada e preguiçosa é sempre o mesmo: "O que garante, então, que esses caras estejam dizendo a verdade?" Pois, no fim da terceira temporada, a dupla também questiona se seu programa deveria estar entre os indicados a prêmios sob a alcunha de "o melhor" (como já esteve e até ganhou). Isso porque não importa pra eles ser "o melhor programa", "o melhor reality show" ou "o melhor jornalístico". Contanto que você assista, se informe e comece a questionar as cagadas do mundo moderno, o programa é bom e cumpriu sua missão, e isso é suficiente.

Muda alguma coisa? Não sei... É provável que Penn e Teller estejam apenas pregando para convertidos e que o tamanho da estupidez humana jamais deva ser subestimado, como bem disse o grande Robert Heinlein. Mas é fato que, antes do fim da terceira temporada, o Showtime já havia encomendado não apenas uma, mas duas temporadas inteiras de episódios inéditos dos camaradas. Já viu isso antes? Longa vida ao programa, e que venham os DVDs, com urgência!

Você pode assistir atualmente a terceira temporada nas segundas do FX, às 22h. Pois é, o mesmo horário de 24 Horas na Fox. Então, você pega a reprise mais tarde, às 2h da manhã; ou inverte e vê 24 na reprise da Fox à 1h da manhã e vai dormir mais cedo. Ou usa um videocassete. Ou tenta o fim de semana... Mas Bullshit! não repete no fim da semana... Raios... Que hora mesmo passa 24 no sáb...? Aaaw, fuck it!


Brancos tapados, da roça ao escritório

This picture is hosted by ImageShackDepois de muita espera do público brasileiro, My Name is Earl e a versão americana de The Office finalmente estrearam no FX.

Earl é o típico americano do interior pobre: caipirão, branco, preconceituoso, burro e, com o perdão do latim, muito fodido na vida. O povo por lá tem o hábito de se referir a esses tipos como "white trash" - o sujeito que, apesar de branco, mora num estacionamento de trailers e está bem longe dos brancos que controlam o país. É o mesmo perfil populacional de onde nunca deveriam ter saído tipos como Britney Sperms e seu querido Kevin Fredegundo, entre outros famosos-por-nada.

A série merece o hype, porque é realmente muito boa. A premissa envolvendo carma e os erros de uma vida (conceitos aprendidos num talk show, coisa tipicamente white trash) dá bastante pano pra manga. As histórias são muito bem amarradas, objetivas e com um monte de ótimas piadas e detalhes legais encaixados em tudo quanto é situação.

This picture is hosted by ImageShackDestaque absoluto para as atuações de Jason Lee como Earl Hickey (a cara dele rindo, dançando bêbado ou em fotos é impagável) e Ethan Suplee, como o irmão Randy Hickey. Jaime Pressly (a ex-esposa Joy) e Eddie 'Crabman' Steeples também arrasam, enquanto a hot latina da vez, Nadine Velazquez, serve de colírio, não compromete nem chama a atenção e deveria, com urgência, dar aulas de sotaque convincente para a deusa Sofía Vergara, de Hot Properties.

Os personagens ocasionais, ah, esses dão shows à parte... O louco-convertido-cristão (com direito a uma tatuagem de Moisés nas costas, separando as... bandas), o velhote que fala por um aparelho, a ex-namorada perneta de Earl, o filho com seu black power podraço, a caquética "prostituta diurna" (com um seio bom!) e todos os outros que ainda estão por vir certamente são e serão memoráveis. Seinfeld fez muita fama com isso, por personagens como Steinbrenner, Soup Nazi e Crazy Joe Devola, o que dá uma ótima direção a Earl. Espere, por exemplo, a participação recorrente do sempre hilário Giovanni Ribisi (o irmão de Phoebe em Friends e marido de Scarlett 'Meudeusdocéuqueisso' Johansson no ótimo Lost in Translation). Além disso, vai chegar um momento em que os "consertos" de Earl deixam de ser tão amigáveis e cheios de finais felizes. Sim, é capaz de ficar ainda mais engraçado, pelas descrições que andei lendo.

Em janeiro, My Name is Earl ganhou temporada inteira da NBC, com boas chances de garfar episódios também em 2007. Jason Lee está se recuperando de uma prosaica catapora e volta com tudo pros episódios que fecham essa primeira fornada. Earl é tida como a grande estréia em comédias americanas desde Scrubs e Two and a Half Men.

This picture is hosted by ImageShackNa seqüência, é verdade que The Office não começou do jeito mais animador do mundo, mas isso (a) tem ótimas explicações e (b) tende a mudar bem rápido.

Se você não esteve em Netuno nos últimos anos, sabe que a série original é inglesa, criada, escrita e protagonizada pelo genial Ricky Gervais. Foi (ainda é?) exibida aqui pelo canal People+Arts. Devido ao enorme sucesso e à qualidade de sua já encerrada produção, nosso amigo bretão foi então convidado a escrever uma versão americana para a coisa. Voilà: adaptações são sempre temerárias, ainda mais entre culturas diferentes. Mas deu certo.

This picture is hosted by ImageShackThis picture is hosted by ImageShackNa Inglaterra, o patrão David Brent era vivido por Gervais; nos EUA, Steve Carell (O Virgem de 40 Anos) aparece como Michael Scott, também no comando de uma empresa de papéis. Em comum, os dois chefes têm o retardamento mental, com sabores diferentes. Gervais interpretava mais com jeito de perdedor convencido tentando uma afirmação entre seus funcionários, que o odiavam; Carell, com momentos de genialidade, busca a imagem de chefe respeitável que, na verdade, é babaca demais para perceber sua própria e infinita estupidez - e seus funcionários o odeiam em igual quantidade.

Resumindo, não tema: as notícias dão conta de que Gervais pegou o jeito americano aos poucos e que The Office: US version segue em vertiginosa ascendente. Prova da aceitação dos americanos é que a série começou como mid-season - só seis episódios de teste - e, em janeiro passado, ganhou uma segunda temporada inteira de uma vez.

É um ótimo serviço que o FX presta aos espectadores reprisar Earl e Office mais tarde no domingo, às 2h da manhã. Nas quintas-feiras, outra repetição ocorre num horário mais humano e quase sem competição (às 23h, só House). Não reclame das reprises numa mesma semana: elas são o bom diferencial do cabo e ainda tornam possível a gente ver Numb3rs, no domingo. Então, passemos a ela.


Muitas mentes brilhantes

O canal Telecine deu férias para Numb3rs este mês, no meio da segunda temporada. Mas a CBS americana há pouco presenteou a série com os 24 episódios que constituem temporada completa, então, não devemos ficar sem nossa dose durante muito tempo. Vamos ver.

This picture is hosted by ImageShackA premissa da série é bem mais simples que suas tramas: o agente-galã do FBI Don Eppes (Rob Morrow) tem um irmão matemático superdotado feioso chamado Charlie (David Krumholtz). Um dia, Don está desorientado por um crime, Charlie propõe ajuda matemática para a investigação e, claro, tudo dá certo pra caramba. A partir daí, começam a colaborar com freqüência, e Charlie vira um consultor ligado diretamente aos federais. E tem todo o resto: amigo nerd viajandão, interesses amorosos para todos, papai alívio cômico, etc.

Não há dúvida de que Numb3rs aborda um lado muito interessante da matemática e tem apelo para quem quer mais do que ação, comédia ou dramas humanos comuns. Mas é engraçado perceber que existem uns defeitos que só podemos chamar de "estranhos". Vamos salientar, de pronto, que é uma série ainda mais nerd que CSI, o que traz pontos muito positivos (a inteligência dos roteiros) e negativos (acaba sendo pouco atraente para grande público). Mas os tais pecados são cometidos quando a série passa, sem necessidade ou explicação, do simplismo mais tacanho ao hermetismo mais obsessivo, dedicando pouca atenção aos meios-termos de gente inteligente normal.

This picture is hosted by ImageShackExplicando: com meia-hora de episódio, o FBI (veja bem, o FBI!) chega à inesperada conclusão de que os bandidos estão roubando suas vítimas porque elas têm algo de valioso em comum. A gente que está aqui só assistindo já tinha percebido isso antes de ligar a TV... Então, como se por milagre, todo e qualquer crime pode ser resolvido por lógica matemática. Charlie misteriosamente se inclui entre os "cegos" iniciais, mas cumpre seu papel de pensador. De repente, tome complexidade de explicações-relâmpago e teorias obscuras tiradas do nada. Em questão de poucas horas, ele é capaz de desenvolver algoritmos monstruosos, testá-los com milhares dados e tirar conclusões completamente absurdas da manga com uma desenvoltura que impressionaria o próprio Einstein.

This picture is hosted by ImageShackIsso lembra bem um personagem de South Park (que eu não acompanho tanto quanto gostaria). É um certo cientista que parece ter sido inspirado pelo personagem de Jeff Goldblum em Independence Day. O cara ouve, observa, mexe em uns computadores e, de repente, solta uma palavra totalmente aleatória. Faz uma associação absurda, emenda outra mais absurda ainda e segue esse caminho de doidos até alguma coisa que nada tem a ver com o começo, ou mesmo com a solução que procuravam. Numb3rs muitas vezes vai por aí. Simplesmente não se sabe de onde veio a conclusão do caso ou por qual razão decidiram seguir a trilha X e não a Y.

Nesse contexto, muita coisa fica mesmo contraditória e pouco convincente. É aquele famoso conceito do "saque" que a gente vê em filme de James Bond. Chame de forçar a barra, apelar para a inverossimilhança, alterar demais as probabilidades, entrar em situações sem causas nem conseqüências - é tudo "saque". Em Numb3rs, essas impossibilidades não são físicas (como lanchas que voam e revólveres teleguiados), e sim intelectuais. Mensagem subliminar: "a matemática é sua amiga e tem muito mais utilidade prática do que a gente imagina no colégio". Hm, yeah, arrã, arrã...

Não deixa de ser um programa bastante legal, mas, pros seres humanos normais do lado de cá, não se encaixaria no filão tipicamente policial. Estamos mais para uma espécie de ficção científica: histórias não muito plausíveis que utilizam ciência de doido em seu desenvolvimento. Ainda assim, é muito bem produzida (pelos irmãos Tony e Ridley Scott) e tem muitas tramas boas de verdade, então, vale a audiência e a curiosidade pelos recursos matemáticos loucos utilizados.

Desligando

Bom, tem de sobrar texto para outras colunas. Me desculpe o leitor pelo tamanho dessas páginas, mas eu gosto mesmo de passar todas as informações possíveis, e a internet permite. Se você aprecia textos enormes sobre suas séries de TV, pode escrever dizendo isso, que eu vou me sentir menos culpado.

O "mundo alternativo" ainda tem muita coisa a ser abordada, incluindo os desenhos adultos, sobre os quais quero escrever faz tempo. Espere por mais falatório em breve! This picture is hosted by ImageShack

18 abril 2006

Como naufragar pulando tubarões

(publicado originalmente em 18 de abril de 2006)
(revisado e republicado aqui em 26 de setembro de 2006)


(Uma nota de abertura: você está vendo sua série na paz. Então, começa "a propaganda do site de leilões". Sim, aquela da idéia imbecil e da musiquinha-porre. Como ela passa em todas as inserções comerciais de todos os canais de séries e em todas as horas do dia, você já não agüenta mais aquilo e usa sabiamente o seu controle remoto. Você se pergunta se o tal site tem um setor de marketing que conheça algo além da "estratégia" da aporrinhação, já famosa pelas insuportáveis "meias do Pinda". Você deu sorte e acaba gostando mais do que está no outro canal. Que chato para o canal anterior, né?)
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Jump the shark (ou "pular o tubarão") significa duas coisas: o momento específico em que se perdeu mesmo o controle de uma série, de modo que continuar acompanhando seria como assistir a um cachorro atropelado morrendo lentamente; e também uma sensação generalizada de que a nossa série já não é mais aquela, mesmo que a gente ainda não tenha parado pra se perguntar o porquê (e identificado o tal momento). Ambas as acepções levam à mesma Roma: a série já deu o que tinha que dar.

This picture is hosted by ImageShackPara entender de que diabos estamos falando com esse papo de tubarão, a gente tem de voltar a fita e contar uma historinha.

Um dia, existiu na TV americana uma série chamada Happy Days. O programa, hoje lendário, ficou no ar de 1974 a 1984, na rede ABC. No Brasil, parece, passou só bem mais recentemente em um canal a cabo. Eu mesmo nunca vi isso por aqui, só via internet.

This picture is hosted by ImageShackDevido ao seu enorme sucesso na época, a série desde então já foi homenageada, copiada, ironizada ou citada de tudo quanto é jeito, em dezenas de outras séries e situações - como um punhado de vezes em Friends (o jogo na praia, o médico fã do Fonzie, gags sobre Joanie e Chachi, entre outras), n'Os Simpsons, em Pulp Fiction ("todo mundo cool feito Fonzie e ninguém leva tiro") ou no clipe da música Buddy Holly, do grande Weezer, entre outras menções que continuam aparecendo diariamente.

This picture is hosted by ImageShackSeus personagens, atores, bordões e piadas viriam a ser bem populares nos anos seguintes. Por exemplo, Noriyuki "Pat" Morita teve muitos papéis na TV antes de Happy Days, mas foi por causa dela que ele ficou querido pelo público americano e foi se imortalizar como o Sr. Miyagi dos filmes Karate Kid. O multitarefa Ron Howard tornou-se um ator ainda mais conhecido (a narração da série Arrested Development é a lembrança mais recente), um diretor muito bem-sucedido (Uma Mente Brilhante, Apollo 13, O Código DaVinci) e um produtor de mão cheia (24 Horas, Felicity, Arrested Development). Happy Days ainda gerou séries derivadas, incluindo uma para um personagem recorrente do hoje famoso Robin Williams. Inclusive, se você diz hoje com a maior naturalidade que alguém é nerd, isso também se deve a Happy Days.

E havia dois sujeitos ali que ficariam estigmatizados pra sempre. Se você já tinha ouvido falar do tal do Fonzie em algumas das citações acima, saiba que é aqui que ele entra.

This picture is hosted by ImageShackO ator Henry Winkler, atualmente interpretando o patriarca na comédia Out of Practice (pouco antes, estava também em Arrested, como o advogado demitido da família Bluth), imortalizou a imagem de Arthur Fonzarelli, o motoqueiro gente-fina com sua inseparável jaqueta de couro. O cara logo ganhou o apelido de Fonzie - ou, mais cool ainda, "The Fonz" (o que sempre me lembra "The Todd", em Scrubs) - e se tornou, de longe, o personagem mais popular da série e um dos mais memoráveis da TV americana em todos os tempos. Não era à tôa que o povo de Friends babava tanto o ovo da série...

O outro ator marcado foi Ted McGinley, mas esse ganhou notoriedade por coincidências bem menos, digamos, felizes. Você certamente o conhece de Married With Children, na qual ele vivia o vizinho galã, burro e joselito Jefferson D'Arcy; ou então dos filmes Wayne's World 1 e 2, pela breve aparição como Sr. Berro (o cara que dava o gritão no rádio). Em A Vingança dos Nerds, ele era um dos valentões e, na recente série-derrota Hope & Faith, contracenou com um monte de mulheraço.

This picture is hosted by ImageShackA fama desse pobre camarada é a de maior enterrador de séries de todos os tempos. Não porque ele seja ruim como ator ou difícil fora das telas - pelo contrário, é um cara bonitão, engraçado e, ao que consta, simpático no tratamento -, mas pela coincidência de já ter sido chamado N vezes pra tapar buracos em séries à beira do cancelamento. Aliás, muitas das séries em que ele põe o pé acabam dando errado de algum jeito e sempre depois de pouco tempo. O currículo de participação-e-cancelamento do homem não é de dar inveja...

Pois bem, para a estréia da quinta temporada de Happy Days, em setembro de 1977, foi filmado um episódio-monstro em três partes. Naquela empolgação toda que significa mais uma temporada pela frente e tal, o sempre cool to the bone Fonzie, sei lá por qual razão, está surfando em esquis (com a jaqueta de couro), decola numa plataforma sobre uma rede com um tubarão e consegue completar o salto, numa cena incrivelmente tosca e que nada tinha a ver com tudo o que se vira na série até então. Muita gente passou a estranhar a tão querida Happy Days depois disso. Assista a esse pedaço no YouTube.

This picture is hosted by ImageShackDentre os milhões de americanos, dois estudantes assistiram ao episódio e tiveram essa mesma sensação. E o programa, na visão deles, foi só descendo ladeira abaixo depois disso, fugindo das premissas iniciais, descaracterizando personagens já bem fundamentados e apresentando tramas cada vez mais fracas. Alguns anos depois, um deles se referiu a um acontecimento qualquer como "o pulo do tubarão do Fonzie", e assim nascia a expressão para designar aquele momento especial de uma série em que você percebe que nada será como antes.

Um dos caras, Jon Hein, aproveitou a novidade que era a internet em 1997 e criou um site dedicado à coisa, o popularíssimo JumpTheShark. Dedicou-o ao amigo criador e "divulgador" da expressão, Sean Connolly. Desde então, o termo "jump the shark" vem sendo usado largamente, inclusive pela mídia, para falar de séries de TV (a princípio), de qualquer coisa da cultura pop (por extensão) ou até uma situação cotidiana (por esculhambação) que marque o começo de uma derrocada. É notório e aceito, por exemplo, que o Metallica voou morro abaixo depois do álbum preto; Spielberg pulou um tubarão danado com seus 8 finais de AI e até hoje não se reabilitou no campo dos contos-de-fada; os X-Men também jamais se recuperaram da passagem de Rob 'The Deformator' Liefeld, o criador de mutantes sem poderes; até o Hotmail pulou seu tubarão irrecuperável ao engessar seu serviço, enquanto outros webmails prosperam a rodo. A coisa pegou de tal modo que o mesmo Winkler, em seu papel recorrente na ótima Arrested Development (tudo em casa, você vê...), apareceu em um episódio dizendo que ia sair pro café e então pulou um tubarão morto que estava no caminho.

A falecida newsletter SpamZine falou desse fenômeno há alguns anos: "Jump the shark é uma expressão criada para denominar o começo do fim de uma série de TV. É o momento em que o telespectador percebe que ela atingiu seu pico, e, ao mesmo tempo, o início de sua decadência. É o instante em que um programa chega a um momento irreversível de sua existência. Exemplos? O beijo de David e Maddie em A Gata e o Rato. Kevin Arnold chegando à puberdade em Anos Incríveis (...) A primeira aparição da "Turma do Bacana" em Armação Ilimitada. A entrada de Pedro Paulo Rangel no elenco da TV Pirata". Eu acrescentaria o Chaves em Acapulco ou cantando em episódios musicais "cafonas, sim, mas isso é conosco". Ou ambos ao mesmo tempo.

No site JumpTheShark, é possível votar em momentos-chave de séries, dar sua opinião em texto (há centenas de milhares de opiniões por lá, já adianto) e descobrir mais a respeito do universo da pulação tubarônica. A consulta vai desde séries bem velhas (como a própria Happy Days ou anteriores) a algumas recentes, com menos tradição e, portanto, menos opiniões e "sugestões".

A essas alturas, já não precisa explicar por que o nosso amigo McGinley se tornou o patrono do site, certo? Não apenas ele entrou como fixo nas últimas temporadas de Happy Days como o seu histórico fala por si só...

This picture is hosted by ImageShackPor uma certa lógica intrínseca à coisa, dá pra concluir que, quanto mais longeva a série, maiores as chances de ela já ter pulado o tubarão. Mas isso não é regra fixa: sempre há quem diga que determinada série já nasceu pulando. É quando a coisa é tão ruim que você se recusa a acreditar que ela possa mesmo existir. Por exemplo, eu diria isso com segurança a respeito de 7th Heaven ou Touched By An Angel, séries com premissas pra lá de babacas, atuações miseráveis (esperamos que Roma Downey já tenha passado num concurso para funcionária pública, a essas alturas) e lições de moral. A expressão "lições de moral" nem mesmo levará adjetivo, porque é uma coisa triste pela própria existência.

Como o assunto envolve qualquer telessérie de drama ou comédia, e como teoricamente cada capítulo pode ensejar olhares tortos, os exemplos não faltam ou faltarão jamais. Sempre haverá um momento em que o cidadão cisma e acaba pensando alto um "Peraí!?", e assim a coisa acontece. Mas dois esclarecimentos são necessários. Primeiro, convenhamos: um drama tem de ter drama e uma comédia tem de fazer rir, mas que o façam com inteligência, verossimilhança e suor. Depois de assimilar bem isso e avaliar direito o que se vê, é a hora de pôr os critérios pra funcionar. E segundo, eu particularmente acho que esses critérios só valeriam para séries, no mínimo, assistíveis. Não dá pra incluir novelões ridículos de 20 anos (Days of Our Lives) e séries natimortas por excelência, como as mencionadas acima. Ah, claro, e simplesmente "não gostar" não significa necessariamente que a série seja um lixo - temos de separar subjetivo de objetivo a qualquer custo.

Alguns momentos bastante típicos já foram identificados. Por exemplo, falta de coerência com as tramas anteriores, mudanças de formato (uma hora, meia-hora, comédia, drama, continuações, etc), casamentos (um broxante eficaz, quando a graça da coisa está na espera), nascimentos de bebês (mais ou menos idem), mudança de atores num mesmo papel (perde-se a identificação), mudança de ambiente (idem), de premissa da série toda (ibidem) ou qualquer acontecimento que nos leve a pensar que não estamos mais no Kansas, Totó.

Aos olhos de muita gente, por exemplo, um drama comprido feito ER já pulou diversos tubarões. Acontece sempre que o texto fica muito over e esmurra o espectador com apelação ou pieguice em excesso. Também é comum o público torcer o nariz quando os escritores percebem tarde demais algum erro de estratégia e, na pressa, não consertam a coisa a contento - o que aconteceu demais em ER, por conta da quantidade de personagens.

Depois de algum tempo de estrada, já rolou de tudo: Susan Lewis namorou um velhinho cego tendo como desculpa uma "figura paterna"; Elizabeth Corday teve uma espécie de relação artificialíssima com um detento asqueroso; as mesmas Lewis e Corday foram retiradas da série em momentos distintos sem qualquer explicação razoável - só sumiram, um dia, dando desculpas esfarrapadas. Carter e Lucy foram esfaqueados num capítulo até bem legal, mas alongaram a morte dela um bocado e depois fizeram o cara se corroer e ficar viciado em analgésicos. Carter, inclusive, deve ter beijado até alguns dos caras da série, porque ficou com todas as mulheres que passaram pelo hospital, e isso também deu no saco a certa altura. Mas era Kovac quem, aparentemente, sofria de sexolatria e passou a namorar Abby meio que de um dia pro outro, quando resolveram reescrevê-lo com aquela história de acidente que nada tinha a ver com seu vício. This picture is hosted by ImageShackTambém para o "limbo" foi o irmão problemático do Dr. Pratt, depois que perceberam que ele ia atravancar a série. Talvez o ponto mais esquisito de toda a série tenha sido o médico escrotão Robert Romano ter seu braço decepado por um helicóptero (evidência 1) e, capítulos depois, o mesmo cara morrer esmagado por outro helicóptero (motivo 2, mais forte), num acidente nada menos que espetacular, verdade seja dita.

Morte, aliás, é sempre um risco grande, porque os fãs não perdoam - também questão de identificação. Pelamordedeus, quantos personagens já morreram em ER?? Mas é o fim de um personagem tão trabalhado e carismático quanto o Dr. Mark Greene (Anthony Edwards) que costuma ser motivo pra anunciarem um pulo sério. Eu mesmo considero esse um ponto-chave, pois parei de ver ER logo depois disso, quando comecei a achar que o pessoal novo não tinha muita graça e os escritores andavam criando tudo quanto era situação esdrúxula para requentar a trama. O prestígio da série caiu tanto que precisaram dar uma revisada brava na estrutura, reformular seriamente o quadro e conferir mais profundidade aos personagens que restaram. Acabei voltando mais de uma temporada depois para presenciar o elenco atual pulando verdadeiros cardumes. A coisa continua tentando se reerguer até hoje, com uma sombra do sucesso que fez em sua estréia (como Plantão Médico - graaarrgh!! - na Globo).

Na mesma linha, há o fato de, hoje, não haver mais ninguém do elenco original, a não ser algumas enfermeiras e a atriz Laura Innes, que entrou no meio da primeira temporada. Cada saída de um dos personagens principais, por exemplo, pode deixar alguém furibundo. Afinal, George Clooney foi um dos primeiros e não é difícil imaginar que muita tiete do sujeito disse de cara: "Ah, agora, perdeu a graça..."

This picture is hosted by ImageShackVeja outra série extensa, a já mencionada Friends. Do meu lado, gostava bastante de tudo até o fim, mesmo com algumas temporadas mais chatinhas, um monte de inconsistências óbvias e tal. Mas há quem veja empecilho, por exemplo, no casamento de Chandler e Monica, na afobação do casamento londrino de Ross, no encontro de Phoebe com Mike (que nem era do "círculo") ou até em algumas das diversas participações especiais ocorridas durante a série - Freddie Prinze Jr e Gary Oldman, chatíssimos em cena, vêm à mente. Diabos: com o frenesi em torno do famoso "The Rachel" - o penteado de Jennifer Aniston nas primeiras temporadas - até mesmo o fato de ela ter mudado o cabelo pode servir de desculpa para alguém dizer que chega. Mas, depois de todas aquelas temporadas, é de se louvar o esforço dos escritores para manter tudo ao máximo como sempre esteve, mexendo só aqui e ali sem conseqüências potencialmente arrasadoras. Deixaram as conseqüências reais pro final.

Nessa área de não-pulantes, dizem que Seinfeld teria o grande mérito de, mesmo depois de 10 temporadas, nunca ter cometido erro a esse ponto, ou pelo menos de ter bem poucos momentos que tenham chegado a ser duvidosos. Concordo sob a seguinte condição: esqueça que houve a primeira temporada, porque os primeiros episódios foram muito, mas muito fracos. Ninguém diria que dali sairia uma das melhores comédias de todos os tempos. E, sim, eu adorei o final perfeitamente coerente com tudo. O site JumpTheShark não reconhece a série nessa seção (sim, tem uma seção para os "never jumped"). Mas isso tudo é beeeem subjetivo, né? A não ser por raras exceções. Quem sabe se, por nunca ter pulado, uma série também nunca tenha ousado o suficiente... This picture is hosted by ImageShackNuma avaliação semelhante, eu diria que Frasier e, até agora, 24 estariam nessa lista seletíssima. E olha que, com toda aquela loucura de 24, pular tubarões deveria ser tão trivial quanto Jack Bauer usar o celular. Está aí minha contribuição para os "Jack Bauer facts", já bem populares na cultura internética (com Chuck Norris no papel principal): "24 will never jump the shark because no shark would be stupid enough to be on Jack's way."

Um belo exemplo de pulos em múltiplos tubarões está ao seu alcance neste momento. A derivada de Friends, Joey, se encontra em plena supernova: tudo acontece ao mesmo tempo, tudo é uma zona desgraçada, nada mais faz sentido e todo mundo sabe que, depois daquela diarréia fenomenal, só vai restar o fim. Chega a impressionar o desespero (bastante aparente!) dos escritores frente às ameaças de cancelamento anteriores. Não apenas não funcionou, como o final é mais iminente do que nunca, com as saídas já anunciadas da agente Bobbie (Jennifer Coolidge), do sobrinho Michael (Paulo Costanzo) e da vizinha Alex (Andrea Anders). Veja bem a quantidade de tubarões que arrumaram só nos últimos episódios:

This picture is hosted by ImageShack- Joey fica mais burro que o de costume;
- Joey faz belos discursos incompatíveis com sua estupidez;
- Joey fica incrivelmente mais burro logo em seguida;
- Joey vira a única pessoa com bom senso na área;
- Joey muda para uma casa nova;
- Joey arruma o amigo Zach, que não faz nada;
- Joey arruma um amigo solteirão;
- Michael arruma uma namorada do nada;
- O namoro de Michael acaba do nada;
- Então, o tímido Michael passa a extrovertido;
- Alex não trabalha mais;
- Alex já mudou de personalidade umas três vezes;
- John Larroquette (pf!) como recorrente;
- Gina esquecendo o lance de ser cabeleireira;
- Gina trabalhando para Bobbie;
- Bobbie começa a aparecer direto na casa de Joey;
- Howard, o vizinho carente, some;
- Howard volta com tudo, em todos os episódios;
- O pai de Michael aparece do nada;
- O pai de Michael vira recorrente;
- Uma trama "Ross and Rachel" para Joey e Alex;
- Um monte de piadas péssimas.

Precisa mais? Com uma alteração ou outra, a gente se viraria bem e era capaz de dar certo, mas resolveram experimentar tudo de uma vez. Escritores desorientados para conseguir sobrevida freqüentemente se tornam a coisa mais perigosa que pode acontecer com uma série. Não importa quantos tubarões já tenham sido pulados: se, por conta deles, o fim estiver próximo e os escritores pirarem de ansiedade, em 90% dos casos já será tarde demais. Joey é um dos melhores exemplos que eu já vi nesse sentido. Foi como tentar apagar um incêndio com mangueiras de combustível.

This picture is hosted by ImageShackDonde se conclui que o melhor mesmo para uma série é sair de cena enquanto ainda resta alguma dignidade. That '70s Show que o diga: depois de um ponto (não sei dizer qual ao certo), implodiu rapidamente, perdeu tudo e já acabou há umas três temporadas, mas esqueceram de avisar seus criadores. Não tem mais um pingo de graça, os personagens são totalmente diferentes e não existe o "espírito de década de 70" há tempos, só gente de 25 anos fazendo papel de 17 e vestindo roupa velha. Como é que se chega num ponto baixo assim sem ninguém dizer nada? Não, espere! Pra não dizer que não houve dicas, houve um episódio em que Fez literalmente imaginou-se cool como o Fonzie e voou sobre um tubarão, pra em seguida concordar com Hyde: "Foi o pior momento da história da televisão. Eu nunca mais assisti à série depois disso." This picture is hosted by ImageShack